20.10.09

Domingo feira

Domingo de manhã, resolvo ir à feira livre com a minha mãe. Só pra constatar mais uma vez: aquilo não é lugar pra mim. E eu estou cansada de saber disso, mas de vez em quando vou lá confirmar. Dessa vez ainda levei Cacá, no sol, no calor, no braço. E fui só de acompanhante, mesmo, nem comprei nada.

A feira livre pode ser absorvida por todos os sentidos. Dúvida?

Audição: De cara, alguém cantava no CD alternativo: "Sou eu... Esse alguém sou eeeeeeu". Acho que era assim. Não-sei-quem-lá e Mateus, me parece.

Mais na frente um menino de uns 12 anos gritava loucamente "#*&$#&%¨#&¨$#&¨$&@*&#¨$ 15 laranjas é um real". Não entendi o início, mas era a cara de Zezé Di Carmago na rodoviária.

O tio: "Aqui dona! É vermelha e doce! É vermelha e doce!" Era uma melancia, pervertidos...

E a tia: "Feijãozim verde, dona? Coloco aqui pra você, um litro mais uma mãozada ". Sai de baixo, moss. Quero lá saber de mãozada...

Visão: Tá. É colorido. Mamões e abóboras maduros são bonitos. Mas não me agrada ver frutas se perdendo. Sempre fico pensando na angústia que deve ser a vida de uma maçã que tem um furinho. Todas sendo levadas e ela lá... jogada. Cada um que examina é uma chance a menos de ser levada. Sério! Quase levo as maçãs furadinhas pra casa, de tanta pena que fico. Quase!

Os velhinhos e velhinhas. Tem tanto idoso na feira, vendendo coisinhas mixas... Velhinhas magrinhas, sofridas. Geralmente elas tem dedos compridos, uma pele que é quase um couro, enrugadas. Algumas carregam caixas, ou ficam agachadas perto dos montinhos de maxixe, quiabo e chuchu. Fico imaginando se um dia todas as velhinhas do mundo estarão "com a vida ganha", vivendo como devem - trabalhando se quiserem, mas sem exigir mais do corpo do que ele aguenta.

Gente. É tanta gente, mas tanta... Meu Deus! Se Cacá sumir no meio desse povo, como é que eu acho??

Olfato: Cheiro de manga é uma delícia. Mas só se for manga-rosa porque, sério, numa feira livre não encoste numa manga de camisa. Se for uma camiseta sem manga, corra. Se for masculina, torça pra ser abduzida. Na verdade, o cheiro me parece um massa marrom que envolve tudo até um metro acima das nossas cabeças.

Depois tem o cheiro de fruta estragada, de gordura fritando, às vezes até de galinha...

Paladar: O óleo em que a tia fritava os pastéis era preto. Não tive coragem de comer nada. Procurei uma água de côco, mas desisti. Os biscoitos de polvilho, avoadores, me chamaram a atenção. Mas não ia comprar, achei melhor não experimentar...

No barzinho, a coca-cola mais gostosa que já vi alguém tomar. O menino tinha uns oito anos. Camisa do flamengo, chinelo velho, bermudinha. Vai ver chegou cedo, trabalhou igual gente grande. A feira foi boa e o pai fez um luxo: comprou uma coca-de-600 pra dois. O copinho tipo americano parecia um troféu, juro. E ele lá, todo digno, bebendo aos pouquinhos.

Tato: Essa é a parte mais dureza pra mim. Não tenho mais idade pra muvuca, não. Se alguém me passa a mão?? E você escorrega num bagaço de laranja. E rala a perna no carrinho que o velhinho puxa. E alguém passa uma sacola molhada no seu braço. E é um tal de aperta manga, maçã, laranja, pimentão... Um calor da zooooorra. Cara, como uma abóbora pode pesar tanto???

Mas, na verdade, nada disso conseguiu derrubar meu bom humor. Dei muita risada de Cacá escolhendo laranja. (Uma delas caiu embaixo da banca. Confesso: deixei lá. Pensei no desperdício de comida, nas frutas estragando, na responsabilidade sócio-ambiental e no aquecimento global. Mas a banca era baixa, e comprida. Não quis arriscar. Botar minha bunda pra cima ali? Nããão...)

Cacá ainda "comprou" uma redinha de maxixe. Nem sabe o que é, acho que nunca comeu. Mas vovó achou bonitinho ele carregando e pagou. Figurinha, com as bochechas rosadas.
Ainda ganhei um prêmio ao chegar na casa de mamãe: uma grande e cheirosa manga-rosa, fresquinha, cortada em cubinhos.

Ps.: Também fiz feira de frutas no domingo. No supermercado.